quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Quanto de ti

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Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre

Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego

Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará

Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só

Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro

Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida

Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam

Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.

Jorge de Sena

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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Tocas-me

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Sou um animal.
Necessito diariamente da tranfusão
de uma enorme quantidade de calor.

Tocas-me?

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Vasco Gato

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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Morrer vivendo

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Vem morrer vivendo nos meus braços
Preenche com meu colo teus espaços
Do avesso do meu não, faz o teu sim
Vem poetar de amor dentro de mim

Grita o aroma rubro do desejo em flor
Perde teu gosto fulvo desta pele em cor
Pensa nas sombras de gemidos vãos
E faze de meus lábios tuas mãos
Sente meu toque no teu toque exangue
Vive meu gozo em teu próprio sangue

Dá-me teu beijo para que eu afague
Dá-me teus olhos para que eu me afogue
Teu pensamento onde minh'alma cabe
E que meu corpo no teu corpo acabe

Lília Chaves

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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Apenas as vezes

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E às vezes,
apenas às vezes,
o sonho, a saudade,
o desejo puro e simples
emergem,
gigantes urgentes .

Silvia Chueire

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domingo, 27 de dezembro de 2009

Quem é?

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Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
— És tu, senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.

António Botto
As Canções de António Botto, 1999

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sábado, 26 de dezembro de 2009

Sonhei tanto contigo

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Sonhei tanto contigo,
Caminhei tanto, falei tanto
Amei tanto a tua sombra,
Que já nada me resta de ti.
Resta-me ser sombra entre as sombras
Ser cem vezes mais sombra que a sombra
Ser a sombra que há-de vir e voltar
Na tua vida cheia de sol.

Robert Desnos

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Volta até mim no silêncio da noite

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Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo,
e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos.
Volta com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa;
e traz contigo a maré cheia da manhã com que todos
os náufragos sonharam.

Nuno Júdice

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Casida en la alta madrugada

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..
Quando te acuerde de mi cuerpo,
y no puedas dormir y te levantes medio desnuda
y camines a tientas por tus habitaciones
borracha de estupor y de rabia,
en algún lugar de la tierra
yo andaré insomne por algún pasillo
careciendo de ti toda la noche
oyéndote ulular muy lejos y escribiendo
estos versos degenerados.

Felix Grande
España

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Deixas em mim tanto de ti

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A noite não tem braços
Que te impeçam de partir,
Nas sombras do meu quarto
Há mil sonhos por cumprir.

Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós,
Porque tu,

Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.

A estrada ainda é longa,
Cem quilómetros de chão,
Quando a espera não tem fim,
Há distâncias sem perdão.

Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós,
Porque tu,

Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.

Navegas escondida,
Perdes nas mãos o meu corpo,
Beijas-me um sopro de vida,
Como um barco abraça o porto.

Porque tu,
Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.

Pedro Abrunhosa

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Doido desejo

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Embriaguei-me num doido desejo
E adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
Não me encontro, não me vejo -
Perscruto a imensidade

E fico a tactear na escuridão
Ninguém. Ninguém
Nem eu, tão pouco!

Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu peito
aos saltos como um louco.

Judith Teixeira

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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Noturnamente

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Noturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio

Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces

Mia Couto

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Deixa que eu te toque

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Deixa que eu te toque
Com um só acorde de guitarra
Deixa que eu te componha nas minhas letras
E os meus dedos percorram a pauta da nossa música
Com uma só voz
com uma só vontade
Deixa que eu cante sussurrando
A melodia mais bela de amor
E te veja dançando nas minhas mãos
Deixa que eu te ouça
Com uma só nota musical
E te agarre,
te envolva e
te toque
Com um só toque
com o acorde da minha guitarra.

Vera Jesus

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domingo, 20 de dezembro de 2009

Amor e Medo

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Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto que nem a mim
mesmo revelo este segredo.

Affonso Romano de Sant'Anna

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sábado, 19 de dezembro de 2009

Porque te amo

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Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim Pessoa

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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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Estou perdidamente emaranhada em seus fios de delícias e doçuras.
Já não encontro o começo da meada,
não sei nem mesmo se há uma ponta de saída, ou
se a loucura vai num ritmo crescente até subjugar a minha vida.
Não importa.
Quero seus nós de seda cada vez mais cegos e apertados
a me costurar nas malhas e nos pêlos.
Enquanto você me amarra, permanece atado
na própria trama redonda do novelo.

Flora Figueiredo

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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Posse Intemporal

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Fazer amor contigo
não é espelhar teu corpo nu no vítreo do meu espaço,
não é sentir-me possuída
ou possuir-te.
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É ir buscar-te ao abismo de milênios de existência
e trazer-te livre.
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Manuela Amaral

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Conquista

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Suba a escarpa
ofegante, entregue, suado...
língua pingando...
cachorro domado.
Quero-te lobo
uivando pra lua
Beba meu corpo
- última gota do copo.
Estremeça e grite e goze
e pouse
doido doido
em meu colo.

Teresa Drummond

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ate e desate

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Gosto que me tomes
me abras
me invadas
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Me voltes e tornes
me envolvas
e faças
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Gosto que me entornes
me abraces
me lavres
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Me beijes e bebas
me enlaces
e largues
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Gosto que me voltes
me pegues
me mates
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Me dês um nó
cego
e depois me desates
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Maria Teresa Horta

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domingo, 13 de dezembro de 2009

Teus poderes

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Exerce sobre mim todos os teus poderes,
os mais avassaladores e brutais,
os que deixam na carne a marca sem resgate
de uma morte prometida em cada gesto
e dá-me a perceber que
sempre que te toco é, afinal, o fogo
que estou a tocar, como se quisesse
bordar um monograma de lava
no lenço que cala o queixume dos lábios.
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Deixa-me dos teus poderes
somente um rumor ou um aroma,
a inexprimível tentação que os faz
serem tão perenes e secretos,
tão sôfregos de entrega e infinito,
e depois derrota-me na arena
dos teus braços como tenazes de vento
sufocando nesta boca
o sopro que aprisiona o ar dentro do grito.
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José Jorge Letria

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sábado, 12 de dezembro de 2009

Em segredo

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Nomeio-te em segredo
e não te digo
retenho-te nos olhos
e tudo acende
cicias-me ao ouvido
e alvoroçada
recolho-te na boca
e tudo queima.
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Ardo sozinha
a mão convulsionada
a desenhar-te em mim
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Maria Aurora Carvalho Homem
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tua carícia

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A tua carícia é um laço,
seda colada à minha pele,
veludo que se estende
e se agarra às minhas pernas.
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A tua carícia é um látego feroz
que me submete ao jugo do teu tempo
e do teu prazer.
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A tua carícia solta
o mar enlouquecido
dos meus gemidos.
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Lourdes Espínola

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Penumbra

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Retém em mim o olhar
entorna a boca
no poço
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Corre os lábios
nos meus ombros
desce a vertigem do dorso
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Troca a penumbra
das pernas
pelo luar do meu gosto
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Deixa os dedos
encontrarem
a penumbra do pescoço
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Maria Teresa Horta

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Beija-me

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Beija-me
Sobre a areia fria, húmida do mar,
No sal da espuma alada
Que afaga de onda em onda os nossos pés,
No cintilar das estrelas álgidas, solitárias na noite,
Sobre os ossos lisos de corpos esfacelados e sangrentos.
Ajuda-me a lutar,
Envolve-me em teus braços
E deixa-me chorar a minha solidão
E a tua.
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Teresa Balté

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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Na noite fria

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Na noite fria
Tua voz quente
expunha anseios tais,
tinha um tal despudor,
vinha tão nua,
que minha boca sentiu desejos
de vesti-la de beijos...
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Na noite fria
tua voz quente
errava, louca de destemor,
pelos gelados e ermos espaços...
.
E tive pena de tua fala...
E abri minha alma para abrigá-la
.
Na noite fria
tua voz quente
pediu tanto,
chorava tanto...
.
Que minha vida te dei,
com a mágoa
com que se lança
velho tesouro às mãos travessas
de uma criança
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Gilka Machado

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carne ou pedra

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Corpos que nascem de formas ou figuras,
belos por serem carne ou pedra.
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Corpos que mutuamente se chamam, prendem,
na sua intensa forma. Eles
mesmos amando-se, vivendo-se
um ao outro, com a profunda vidade ambos, no mesmo tempo.
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Imagens de pura carne ou pedra
uma à outra somadas por desejo
no seu desenho penetrando-se,
duplos num único vulto.
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Fiama Hasse Pais Brandão

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domingo, 6 de dezembro de 2009

Ficarei para sempre

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Hoje aviso-te
que ficarei para sempre
arquejando no teu corpo,
na orla infinita da tua mão,
no teu ombro, que é uma espada.
Na tua língua, que é a minha.
Só o teu coração saberá
se é
promessa ou ameaça,
mas ficarei para sempre
e basta.
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Lourdes Espínola

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sábado, 5 de dezembro de 2009

Serei tudo

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Serei luz nos teus braços
serei cálice
maciez na curva dos teus lábios
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Serei mansidão na mesma hora
em que me torne fogo e não consiga
rasgar a minha paixão e ir-me embora
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Serei a tua invenção
e corpo intenso
louca sofreguidão no meu desvairo
.
Serei o teu grito
no delírio
e também devassidão se necessário.
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Maria Teresa Horta

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Si me quieres

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Si me quieres, quiéreme entera,
no por zonas de luz o sombra...
Si me quieres, quiéreme negra
y blanca,
Y gris, verde, y rubia,
y morena...
Quiéreme día,
quiéreme noche...
¡Y madrugada en la ventana abierta!...
Si me quieres, no me recortes:
¡Quiéreme toda...
O no me quieras!
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Dulce María Loynaz

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Ofereço-te

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Ofereço-te:
esta coordenada-cordilheira
esta longa seda desprendida
o buraco, o vale, o abraço prolongado.
Cavalga amor com mãos acesas
— argonauta da bússula partida —
para que sul e norte se soltem
para que os signos azuis
te devorem,
para que a minha voz cubra
o teu silêncio.
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Lourdes Espínola

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sede

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Abro-te as portas querendo
a tua luz
numa sede de ti que não se acalma
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Não me negues a água
que mata a minha sede
.
Desejo o teu incêndio
queimando a minha alma
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Maria Teresa Horta

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Vem

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Vem
Caudaloso como um rio
Que procura destino e foz
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Vem
Assombroso como a luz
Na hora final no ocaso
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Vem
Inesperado como a chuva
Em dia quente de estio.
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Serei calma e constante
Permanente e amante
Teu abrigo
Tua certeza.
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Encandescente, aqui

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