quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Eu cantarei de amor tão docemente



Eu cantarei de amor tão docemente
que, ainda extinta a voz, dela perdure
o veio breve donde transpirou
outrora o canto aceso e seus silêncios.
Serão então do exílio as horas frouxas
derramadas qual ácido no rosto
do amante. Mas nada foi em vão.
Que os lábios tremerão de puro amor
e a pele - como a serpente à melodia
rende sua homenagem, cativada -
contra o dia se indisciplinará,
erguida sobre si, ao arrepio
de leis acumuladas contra nós,
seus ecos contrapondo ao vento frio.

A. M. Pires Cabral


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eu era a tua poesia



- És parecida com a Terra. Essa é a tua beleza.
Era assim que dizias.

E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e,
entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste?

E me respondias, voz trémula:
estou nascendo agora.

E a tua mão ascendia
por entre o vão das minhas pernas
e eu voltava a perguntar: onde naceste?

E tu, quase sem voz, respondias:
estou nascendo em ti, meu amor.

Era assim que dizias.

... tu eras um poeta.
Eu era a tua poesia.

E quando me escrevias,
era tão belo o que me contavas
que me despia para ler as tuas cartas.
Só nua eu te podia ler.
Porque te recebia não em meus olhos,
mas com todo o meu corpo,
linha por linha, poro por poro.

Mia Couto



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Escuna



Doce roteiro
Aquele em que navego
Tripulante
Da escuna leve de teu corpo

A me envolver na espuma
Flutuante
Ondulante
De um prazer sem fim.

Antonio José Giacomazzi


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

E cai a noite...



De noite só quero vestido
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos

Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes

e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre

Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente

e da saliva o chicote
da tua língua dormente.

Maria Teresa Horta


domingo, 26 de setembro de 2010

Diz o meu nome


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimasse os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No úmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto


sábado, 25 de setembro de 2010

O corpo amado



A pele do ser amado tem textura especial
Os poros segregam perfumes exóticos
As omoplatas abrem-se como asas
E os pelos são como penugem de aves.
Os membros flexíveis para os abraços,
A boca entre-aberta é flor instigante
À espera de outra flor sensual.

E os olhos amados? Os olhos são tudo.
Desejo fundo onde os medos se perdem
E cai-se de cabeça no abismo.

Helena Frontini


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Te amo



Sobre todas as coisas, te amo
Te amo por tua beleza,
cravejada de ouro e cinzas

Te amo por esta branda fúria que trazes no olhar,
que quando não me fuzilas,
me elevas ao último céu

Te amo pelo desespero que me provocas,
e por esta repentina paz que me despertas,
pouco antes de minha morte

Te amo por nunca me ouvires quando te chamo,
e por estares sempre presente,
quando menos te quero

Te amo por tuas mentiras mal contadas,
das quais, por vezes faço questão de acreditar,
e pela incredulidade que me fazes sentir,
diante das tuas mais obscenas verdades ...

Por fim,te amo, porque é só o que sei fazer;
te amo simplesmente pelo que tu és,
e pelo que nunca fostes.

Marcelo Roque


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Escultura



Estranho que Deus te esculpisse
como uma obra de arte, perfeita
tu que serias a eleita -
e só depois te entregasse a mim,
às minhas mãos de escultor...

Talvez faltasse ao teu corpo de estátua,
perfeito,
sopro mágico da vida, o efeito
mágico do amor...

Talvez, por isto, quando tenho
contra o meu, teu corpo
belo,
quando te modelo
- me sinto o Criador!

J.G. de Araújo Jorge



quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A primeira estrela



Na hora magoadíssima do poente
- quase apagada já a luz do dia -
rezava a tua voz tão docemente
que nem o mar, o grande mar ouvia.
Na minha mão, a tua mão ardente;
no meu, o teu olhar que se morria
e o mar a nossos pés em tom crescente
cantando, nem sei que titania.
Depois...sei lá que sucedeu depois!
A mesma chama nos prendeu os dois
e a ambos fustigou, como um açoite.
Nem sei se foi sutil, se foi agreste...
Apenas sei que o beijo que me deste,
foi a primeira estrela dessa noite.

Maria Helena


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nudez



Amo a tua nudez
Porque desnuda-me
Bebo pelos poros
Dessa pele morena
Abre-me todas as portas
Para que te possa divinizar
Toma a minha mão
Segura-a
Como a um menino perdido
De que nada sabes
Acolhe-me em ti
Embriaga-me de prazer
Faz voltar o meu eu
Afoga-me nos teus poros
Deixa que me mate em ti...

António Santos


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Que meu amor...


sensual1.jpg Sensual image by NJBabyGirl81

Que meu amor saiba quando estou com medo,
e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que meu amor note quando preciso de silêncio e
não vá embora batendo a porta, mas entenda
que não o amarei menos porque hoje estou quieta.

Lya Luft


domingo, 19 de setembro de 2010

Pleonasmos



Olha-me com os teus olhos,
Beija-me com os teus beijos,
Abraça-me com os teus braços,
Sorria-me com o teu sorriso,
Sonhas comigo nos teus sonhos,
Ilude-me com as tuas ilusões
Ama-me com o teu amor.

Tarcisio Costa


sábado, 18 de setembro de 2010

Mais do que tudo

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Essensua-tanya_male.jpg picture by TEMPO13_2006
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...

E o teu rosto era tudo o que tinha.
E o teu nome era
tudo o que tinha.
Tu eras tudo.
Tudo.
E tudo é agora
mais do que tudo.

José Luís Peixoto

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Posse

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Vou usar meu batom vermelho escarlate frisson
Para que fique impressa em sua boca
A cor delirante da minha paixão.

Helena Frontini

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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Hsssss

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Te colocar contra a parede,
Mas que sede...
O calor aumenta nessas regiões,
Onde estamos sujeitos às chuvas e trovoadas...
Essa umidade sugere esconderijos
E sorrisos leves pela manhã...
Sim! Pode passar... agora tudo está vermelho!
Não tem vinho nem lareira...
Apenas no pé do ouvido um demoniozinho.
Aqui e acolá...

Célia Demézio

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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Estio

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Vem,
deixa a marca dos teus pés sobre a
nudez do mármore,
abre o decote azul sobre os teus
frutos amadurecidos,
diz que são maçãs sem sombra de pecado,
lembra-te que nestas noites de Agosto a
lua te veste de branco
e sobre as suas pedras de luz passeiam
estranhos animais do Verão,
gargantas que entoam uma melodia
aem palavras, sem sentido,
vem,
ouve esse rumor cálido na raiz dos teus
cabelos,
solta-os, deita-te, esquece tudo,
procura apenas o meu nome entre as cinzas.

José Agostinho Baptista

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Festa de Despedida

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Vestiu, apenas, umas gotas de perfume
O quarto encheu de flores e de velas.
Deixou fechadas todas as janelas
No teto desenhou uns vaga-lumes.

No seu criado-mudo, um cinzeiro
Servindo de apoio, para o incenso.
Com loucas artimanhas e bom-senso
Pintou seu corpo nu no travesseiro.

Na cama espalhou umas almofadas
Deixou todas as fotos espalhadas
Algumas na parede, outras no chão.

A noite inteira, me amou com garra
Fez dengo e festa, uma grande farra
Pra comemorar nossa separação.

Amaro Vaz Filho

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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O gosto do amor

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Amor tem gosto de pele
Língua e segredos
Tem gosto de cobertas
Descobertas e travesseiros
Amor tem seu gosto
Tem você!...

Maria Bonfá

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domingo, 12 de setembro de 2010

Perfume


Para te escrever
eu antes
me perfumo toda...

Clarice Lispector



sábado, 11 de setembro de 2010

Gata

,
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Da brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!

Emiliano Perneta

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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ouve, meu anjo

.
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Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?

Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?

Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas aí!,

A carne do assasssino
É como a do virtuoso.

Numa atitude elegante,
Misterioso, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.

Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia...

Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

António Botto

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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Desejo

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Hei de te amar e te amar, e apenas isto
E dormir e acordar abraçado ao teu cheiro
e a tudo de ti que ainda me escapa
E hei de plantar e colher em teu ventre
muito mais que um filho,
muito mais que um neto,
muito mais que o mundo
Hei de plantar à nós mesmos;
Princípio, meio e fim
Tudo aquilo que fomos, somos,
seremos ...

Marcelo Roque

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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Espera

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Hoje que te esperava não veio
E sei o que tua ausência me diz
Tua ausência que tumultuava,
No vazio que deixaste
Como uma estrela
Dizes que não queres me amar.
Como a tempestade estival
Se anuncia e logo se afasta,
Assim te negaste à minha sede.
O amor, ao nascer, tem destes
Improvisados arrependimentos
Silenciosamente estamos acertados.

Amor, Amor, como sempre
Quero cobrir-te de flores e de insultos.

Vincenzo Cardarelli
Trad.: Priscila Manhães Lerner

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domingo, 5 de setembro de 2010

Mãos cegas

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Deixa as mãos cegas
Aprender a ler o meu corpo
Que eu ofereço vales
curvas de rios
óleos

Deixa as mãos cegas
Descer o rio
Por montes e vales.

Paula Tavares

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sábado, 4 de setembro de 2010

Has cambiado otra vez el curso de los ríos

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The_Light_to_the_Dark_by_danlawrance
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Has cambiado otra vez el curso de los ríos
y has hecho trasladarse todas las cordilleras
con sólo la mirada de tus ojos de escarcha
y el roce de tus dedos sobre los mapa
mundis.Señor de los amores y de la geografía,
grandísimo truhán y Todopoderoso
inconsciente, ahora tienes que rescribir los libros
y en mi cuerpo desnudo
es tu deber marcar de nuevo las fronteras

Josefa Parra

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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Chamas

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Paraíso é quando não sentimos o corpo.
Quando nos esquecemos.
Ou quando o sentimos com tal intensidade
que estamos mergulhados na chama,
que parece eterna.

Casimiro de Brito

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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Se ele não está

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...

São dias longos de silêncio,
desejar é o avesso da falta.
o que desejas, corpo meu,
se ele não está?

Silvia Chueire

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Morrer de amor

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...

A paixão é meu
destino
meu final e meu começo

Morrer de amor
e de amar
é a morte que eu mereço

Maria Teresa Horta

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