sexta-feira, 10 de janeiro de 2020
Ternura vadia
Traz de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.
Mia Couto
Parimos a sede
Depois
as palavras arrastam
um mar de saliva
e sinto
a tua boca quente
à procura de mistérios
No fogo inocente
parimos a sede
Edgardo Xavier
Breve relato de labaredas
Opções para esta história
Primeira nuance :
Breve relato de labaredas
Rosa de fogo
Entre a pétala
E os lábios da ferida
Aberta,
Lasciva,
Cálida,
Minha mão te desvenda;
Meu corpo te penetra;
Minha palavra te atravessa.
Segunda nuance:
Luz e sombra
Da janela a luz esguia
Escorre por sobre as sombras
Deixadas pela noite.
Vestígios de tua carne nua
Habitam o acervo de minhas retinas.
Teu cheiro ainda escreve
Palavras cálidas
Em meu corpo.
Construções ignoradas
Pelos corpos,
As horas não
Servirão de testemunhas;
Nem delas
Poderemos extrair
O que nos faltará
Na esférica
Incompletude
Do desejo.
Terceira nuance:
Som e ausência
Toco as superfícies
Abandonadas pelo teu corpo
Por sobre a cama e
Teus escritos me ardem.
O gosto de teu sexo
E o calor úmido de tua boca
Ainda estão em mim
E por mais que negue
A persistência da fome,
O instinto dilacera
Quaisquer intenções
De fuga .
Quarta nuance:
Tormenta
Não quero a paz que me roubaste,
Quero tua alma em minha alma
Em comunhão de gozo;
Quero o desespero da falta
Incendiado pelo ardor da presença
Sob a visceral
Face do desejo .
Quero-te.
Quinta nuance:
A fome dos corpos
Furor de caninos
Sobre a carne:
Tua seiva
Ainda escorre
Em minha boca.
Serpear lânguido
De músculos:
Tua carne em convulsão
Ainda luta contra a minha carne.
Última nuance:
Arsenal de cores
Amálgama
De vorazes volúpias
Onde apenas predadores
Flertam com a possibilidade
Do precipício:
O voo e
A queda.
Não há dor.
O branco arfar do tempo
Habita os espaços
Vazios (ainda tépidos)
Por entre relevos
Recém-abandonados.
A atmosfera ainda pulsa.
As almas amputadas
Estão alheias à morte.
Tudo é cor,
Sentido
E silêncio.
Anderson Christofoletti
A tua nudez inquieta-me
A tua nudez inquieta-me.
Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.
A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.
Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
iluminado, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.
Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.
Fernando Assis Pacheco
Assinar:
Postagens (Atom)