domingo, 28 de fevereiro de 2010

O teu perfume

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O teu perfume preso à minha roupa
é um lento veneno
nos dias sem ninguém –
longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas
(como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar);
e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.

Se me abraçares, não partas.

Maria do Rosário Pedreira

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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Instante

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Que seja apenas por um instante,
mas que seja breve e intenso este instante.
Sem regras, a não ser as ilógicas da paixão.
Sem lucidez, mas consciente dessa falta de lucidez.
Sem remorsos, anterior a todo pecado.

Que seja mágico, tenso e profundo
este instante entre os seus braços:
um açoite - luz do sol na vista;
um impulso - salto no abismo infinito;
um momento levitando na memória.
Mas que não dure mais que um instante.

Vem, e me faz esquecer.

Alexandre Inagaki

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Canção desse rumor

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Quem - estando ausente - entra no
quarto
Quem deita ao lado meu, quem passa
No meu coração seus lábios quentes, quem
Desperta em mim as feras todas
Quem me rasga e cura
Quem me atrai?

Quem murmura na treva e acende estrelas
Quem me leva em marés de sono e riso
Quem invade meu dia após a noite
Quem vem – estando ausente -

E nunca vai?

Lya Luft

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A pele

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Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele, onde a memória os move.
Tacteiam, impolutos. Tantas vezes
o suor os traz consigo da memória,
que não tenho na pele poro através
do qual eles não procurem sair quando transpiro.
A pele é o espelho da memória.

Luís Miguel Nava

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Teu olhar

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Eram teus olhos
despudorados
subindo pelas minhas pernas

rubro toque intuído

no silêncio úmido
de nossas bocas...

Andrea Augusto

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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Amazona

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Grave tua voz
me acaricia

e afogada nela
minha alma
se abandona

entoa o canto
que cavalga,
amazona.

Eugênia Fortes

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

Prazer e êxtase

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O prazer se
faz em êxtase:
quando o
meu corpo,
feito água,
descobre
todos os
caminhos
do seu.E deixa-se
ficar
onde você
mergulha em
mim

Stela Fonseca

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ao teu encontro

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Quando amanhece penso:
Encontro-te no vento
virás abraçar-me como os ramos da árvore
e chegaremos ao coração da cidade

Ao meio-dia sei:
A distância do meu corpo ao teu grito
corresponde à do teu sopro ao meu ouvido
eis a anatomia do silêncio

De tarde fico exausta:
Circulo pelas ruas e roço-me nas praças

À noite adormecemos:
Será que te lembras? será que me lembro?

Amanhã alegro-me de novo:
Imagino a floresta, parto o espelho
e recomeço a ir ao teu encontro.

Teresa Balté

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

El cuerpo cae desmayado en la arena de la noche

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A madrugada é prenhe de ti nesta ausência
revolvo o corpo nesta praia de jejum
há guerras e incêndios nos olhares em redor
quando convulso a respiração em teu choro
e mordo as últimas letras do teu nome

Fernando Dinis
in Poema - Antologia de Poesia Portuguesa Actual

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

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Escribe una carta de amor solamente
que tenga la semilla de un gran suspiro
y después olvídala en la memoria
para que yo la pueda escuchar.
De noche, cuando duermes,
aunque tú no lo sabes, vengo a buscarte:
mi límite frío de sueño
se compagina con el tuyo,
vivimos sobre dos desiertos
que al atardecer se transforman en colinas
y desnudo mis senos en la noche
ansiosa de que tú lo mires.

Alda Merini

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Álbum Japonês

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A gueixa dentro de mim
aprova o homem que tu és
Já meu samurai
retesou-se ao máximo
quando a mulher dentro de ti
soltou os cabelos
nuvens douradas sobre os ombros
e ofereceu-me sensualmente
a cabeça para que os prendesse
As minhas mãos
prontas para o vôo
ficaram ao longe de meu corpo
nenhum músculo se mexeu.
Só meu coração
era cavalo bravo
galopando
alucinado
de desejo.

Eliane Pantoja Vaidya

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Teu corpo

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Teu corpo é agosto
Tu cheiras à verão
Tu cheiras à febre
Do sangue maduro
Teu ventre de orgia
Teu corpo de agosto
Tem cheiro a setembro

Aroma-mulher

Manuela Amaral

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Beijar

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Queima o sangue um fogo de desejo,
de desejo a alma é ferida,
dá-me os teus lábios, o teu beijo
é o meu vinho e minha mirra.
Reclina para mim a cabeça
ternamente, faz que eu durma
sereno até que sopre um dia alegre
e se dissipe a névoa nocturna.

Púchkin

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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Dentro de mim

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Se eu beijasse a tua boca
se eu sugasse o teu sorriso
se eu manchasse a tua roupa
como a mandar-te um aviso
Se eu tocasse o teu sentir
se eu bebesse o teu olhar
se eu tangesse o teu ouvir
como se ouvisse chamar
Eu não seria sem ti
nem tu serias sem mim
seríamos um só amante
cantando notas aos céus
colhendo estrelas sem fim
num paraíso distante
lá nos confins dum instante
onde o não e onde o sim
são um só o tal amante
são um só dentro de mim

Amaral Nascimento

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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Se amar é

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Se amar é sentir esta chama ardendo no corpo
Numa explosão de imagens e sonhos nunca vistos
Se amar é sorrir ou chorar sem motivo ou razão
Por lembrar de palavras ou sons nunca ditos
Se amar é não poder sentir saudade e apesar de tudo senti-lo
Como algo tão forte
Numa angústia doída no peito
Se amar é fechar os olhos e ter-te ao meu lado
Sentir teu carinho
Teu corpo
Tua presença em meu leito
Se amar é não tendo-te aqui
Sentir-me feliz por apenas saber existires
Se é a certeza de um dia tocar-te
Amar simplesmente sem questionar ou entender este amor
Então eu te amo
Num sentimento único
Jamais sentido
Jamais sonhado
Jamais vivido

Alice Daniel

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Deixa que eu te ame em silêncio

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Deixa que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique,
deixe que nossas línguas se toquem,
e as bocas e a pele falem seus líquidos desejos.
Deixa que eu te ame sem palavras
a não ser aquelas que na lembrança ficarão pulsando para sempre
como se amor e vida fossem um discurso de impronunciáveis emoções.

Affonso Romano de Sant' Anna

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Hoje eu queria teu colo

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Hoje eu queria teu colo
Meu silêncio e o teu afago
Em mútuo consentimento
Trocando segredos
Tecendo sabores
Tramando ternuras
Confessando amores
Hoje eu queria teu colo
Talvez mais - cumplicidade
A tua força
Tua certeza
Contra a minha fragilidade
Hoje eu queria teu colo
Tua voz
Tuas mãos
Tua alegria
No entanto, só essa estúpida solidão
Me faz companhia

Alice Daniel

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Como um poema

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Sentes
Como te percorro num poema?
Como sílaba a sílaba
Te toco e te quero
Te mordo e desejo
E amando o poema
Te amo e me prendo em ti?

Sentes
Como as palavras se tormam dedos
Mãos, pernas?
E são carícias que crescem
E tocam a pele
E a preenchem, a enchem
E a sobem no corpo, são corpos
Carne e desejo que pulsa em mim?

Sentes
Como os versos se enrolam e se tocam?
Como se entrelação e enroscam
E te envolvem e te tocam
E se amam e te amam
E têm cheiros, e são sons
E ganham vida e se soltam
E na boca sabem a mim e a ti?

Sentes
Como é escrever as palavras?
Como é senti-las no corpo
Arrancá-las do corpo
Para te entregar, para que as sintas
Para que o poema seja teu
E sejamos o poema
E eu seja a palavra
E tu sejas a poesia...

Sentes como te percorro num poema?

Encandescente

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Aspiro-te

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(...)

aspiro-te
como se me faltasse o ar
e os perfumes dançam-me

qualquer coisa como uma droga bem forte
corpo e alma
rezam pequenas orações
gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça
sonhos

(...)

Ana Mafalda Leite

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Estes teus hábitos

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Hoje acordei e ainda sonhando,
naqueles instantes entre sonhar e acordar,
senti tua perna se roçar entre as minhas

Esse hábito doce que tens
de me acordar...

Ouvi muito longe, o teu respirar,
suave e pausado, murmurando
coisas sem nexo

Esse hábito doce que tens
de me saudar de manhã...

Semi-adormecida, pegaste minha mão
e a puseste entre os seios
meu pouso diário

Esse hábito lindo que tens
de me excitar...

E viajei nos meus sonhos, não querendo acordar,
amando o teu corpo, vezes sem conta
e então despertei, sentindo saudades

Desses hábitos antigos
que tinhas comigo...

Artur Ferreira

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sentimento incerto

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De repente acordo e vejo bem perto
De mim, colado quase ao meu, desnudo,
Também, cansado, inerte no veludo,
O corpo dela, sem censura, aberto
O coração, de sentimento incerto,
Às vezes, mesmo, indiferente a tudo.
De tanto vê-la assim me desiludo
E me entristeço sempre que desperto.
Sem esperança de acordar com ela,
Eu fico preso ao meu amor constante
E paro, e penso e sinto, num instante,
Quando ela dorme, assim, imóvel, bela
Eu dos seus sonhos estou tão distante,
Que nem parece que estou junto dela.

Abdias Sá

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