quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Me olhas de perto

 

 

Me olhas, de perto tu me olhas,
cada vez mais de perto e,
então, brincamos de ciclope,
olhamo-nos cada vez mais de perto
e nossos olhos se tornam maiores,
se aproximam entre si,
sobrepõem-se e
os ciclopes se olham,
respirando confundidos,
as bocas encontram-se e lutam
debilmente, mordendo-se
com os lábios,
apoiando ligeiramente a língua nos dentes,
brincando nas suas cavernas
onde um ar pesado vai e vem
com um perfume antigo e um grande silêncio.
Então, as minhas mãos procuram afogar-se
nos teus cabelos,
acariciar lentamente a profundidade
do teu cabelo
enquanto nos beijamos
como se tivéssemos a boca cheia
de flores ou de peixes,
de movimentos vivos,
de fragrância obscura.
E, se nos mordemos,
a dor é doce;
e, se nos afogamos num breve
e terrível absorver simultâneo de fôlego,
essa instantânea morte
é bela.
E já existe uma só saliva
e um só sabor de fruta madura,
e eu te sinto tremular contra mim,
como uma lua na água.

Julio Cortazar

 


Toco a tua boca

 

 

 

Toco a tua boca
com um dedo toco o contorno da tua boca,
vou desenhando essa boca como se estivesse
saindo da minha mão,
como se pela primeira vez
a tua boca se entreabrisse e basta-me
fechar os olhos para desfazer
e tudo recomeçar.
Faço nascer, de cada vez,
a boca que desejo,
a boca que a minha mão escolheu
e te desenha no rosto,
uma boca eleita entre todas,
com soberana liberdade
eleita por mim para desenhá-la com minha mão
em teu rosto
e que por um acaso, que não procuro compreender,
coincide exatamente
com a tua boca que sorri
debaixo daquela
que a minha mão te desenha

Julio Cortazar

 

 

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