quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Trinta mil cavalos

 


 Tem trinta mil cavalos
A galopar no peito quando a seu lado eu me deito

Jorge Palma

 

 

Hot

 


Com a ponta dos teus lábios tocas-me, ao de leve, a curva da orelha. Arrepio. Dizes-me o que se segue. A tua mão que procura a minha, toca-a, segue por mim acima, demora-se no meu ombro e segura-me o cabelo. Arrepio.

A tua boca na minha nuca, no meu pescoço, a descer a linha da costas. Arrepio.

Voltas à minha orelha. Segredas-me o que vais fazer a seguir. Pernas a tremer. Respiração presa na ânsia do que se segue. Viras-me para ti. Colas-me a ti, encaixas-me em ti. Arrepio...

As minhas mãos que levas até ti. Apertas-me em ti. A tua boca no canto da minha. A dizer-me o que se segue. Pegas-me. Sem cuidado, só com vontade. Nem sei sorrir, só me deixo seguir. As tuas pernas a puxarem-me para ti. Os teus braços fortes a fazerem-me deslizar. Por ti. Arrepio, arrepio, arrepio.

Sentes-me, sinto-te. Perguntas-me «Estás a sentir-me?», não respondo, as palavras já as perdi há muito, aceno apenas ao de leve com a cabeça. Apertas-me ainda mais.

Dizes-me o que queres agora. Arrepio, arrepio, arrepio, arrepio!

A bancada fria da cozinha, gela-me o corpo. Assim estou na medida perfeita para ti. Como me segredaste antes. Sinto-te agora a tremer, a respiração descompassada. De tão colados que estamos já nem sei se é o meu, se o teu coração que bate tão desconcertado.

Dizemos um ai e já não sei se fui eu, se tu.

Uma lágrima quente desliza devagarinho, leve leve, na minha pele. Não te preocupes. É um arrepio.


http://historiasdenos.blogspot.com




quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

No silêncio que guardo

 

 

No silêncio que guardo
quando partes
que escondes sob os
dedos
que se prende
que me deixa no corpo
este calor
da falta do teu corpo como sempre
 

Maria Teresa Horta 

 

 

 

Quem me quiser

 

 

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente

- Ou então não saber a coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
 

Rosa Lobato de Faria 

 

 

 

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Da margem do sonho

 

 

Da margem do sonho
e do outro lado do mar
alguém me estremece
sem me alcançar.

Um bafo de desejo
chega, vago, até mim.
Perfume delido
de impossível jasmim.

É ele que me sonha?
Sou eu a sonhar?
Sabê-lo seria
desfazer, no vento,
tranças de luar.

Nuvens,
barcos,
espumas
desmancham-se na noite.

E a vida lateja, longe,
num outro lugar.

Luisa da Costa
in Cem Poemas Portugueses no Feminino

 

 

Teu corpo

 

 

Teu corpo:

um porto
que eterniza
meus navios

um parto
que traduz
o meu avesso

a parte
que arremata
meu desejo.


Maria Esther Maciel
De Dos Haveres do Corpo (1984)

 

domingo, 25 de dezembro de 2022

A tua boca

 

A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor-de-rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.
 

Joaquim Pessoa

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Meti-me pelo teu fogo adentro

 


 

Para dizer que a tua porta ardia por fora e ninguém se importava. 
Que certas palavras interrompidas começaram a agitar-se na minha cabeça. 
Meti-me pelo teu fogo adentro, ninguém se importava, e disse tudo até ao fim. 
Nunca tinha dito tudo até ao fim.

Vasco Gato


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