domingo, 23 de abril de 2023

Naufragar


 

Não conhece a arte de navegar
quem nunca navegou no ventre
de uma mulher, remou nela,
naufragou
e sobreviveu
numa de suas praias.

Cristina Peri Rossi

 

 

 

Meu corpo arde

 

 

Meu corpo arde,
ferve -
chama-te
Esta tarde
vou morrer de febre
incendiar a cama
as vestes
virar tocha humana

Líria Porto

 

 

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Escalar-te lábio a lábio

 


 

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

Porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

Eugenio de Andrade 

 

 

Nas tuas mãos

 

 

Nas tuas mãos começava
O mundo
E nada
Nem o dia
Podia ser mais perfeito...

Ana Paula Tavares

 

 

 

domingo, 9 de abril de 2023

Saber esperar alguém

 


Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objetos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objeto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece.


Maria Gabriela Llansol 

 

 

 

As formas das tuas mãos

 


No meu corpo vivem
As Todas as formas das tuas mãos
Quando em movimentos lentos
Retomo cada gesto que me encheu
E cada lugar nunca antes habitado
Por ter sido a ti que entreguei uma pele sem véu

Madalena Palma

 

 

Não

 

nem todos os homens que
saem de minha casa saem de minha cama
nem todos aqueles que
saem da minha cama saem de dentro de mim
nem todos os que
saem de dentro de mim chegaram sequer a lá entrar
não, nada é tão líquido assim

Bénédicte Houart









terça-feira, 4 de abril de 2023

Dispa-me

 


Dispa-me
Mas dispa-me completamente. Certifica-te de
que nada em mim excede. Tira-me todo pano
todo pudor, todo porvir. Dispa-me dessa
mulher madura que insisto em ser.
Tira de mim essa sensação de que há
sempre só partida para os meus amores.
Dispa-me dessa fome que tanto me revela,
dessa insegurança, dessa timidez.
Mas, quero ser despida ao sol.
Preciso estar certa do que me tiras.
Dispa-me logo dessa mágoa; que finjo
não sentir. Porque agora quero
estar assim ... desabitada
Deixa-me docemente desguarnecida.
E só me veste de novo se for com as tuas mãos
em concha, assim como um parênteses
no meio do dia.

Solange Maia

 

 

 

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