sábado, 31 de julho de 2010

A espera

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Amado
Por que tardas tanto?
As primeiras sombras se avizinham
E as estrelas iniciam a noite.
Vem...

Pois a esperança que se acolheu em meu coração
Vai deixá-lo como um ninho abandonado nos penhascos.
Vem...

Amado
Desce a tua boca sobre a minha boca.
Para a tua alma levar a minha alma
Pesada de sofrimento!
Vem...

Para que, beijando a minha boca
Eu receba a sensação de uma janela aberta.

Amado meu
Por que tardas tanto?
Vem...

E serás como um ramo de rosas brancas
Pousando no túmulo da minha vida
Vem amado meu...

Por que tardas tanto?

Adalgisa Nery
(1905-1980)

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sabor

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O culto da paixão tem mais sabor
que pitanga roubada
e minha alma dissoluta,
dissimulada, mistura ao vinho uma idéia
de me jogar em lençóis de linho
ou no mar.

Bruna Lombardi

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terça-feira, 27 de julho de 2010

Assim

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Eu te amo
de um amar antigo
- sabor de antigamente
no velho caderno das lembranças -

Eu te amo assim,
de um amar antigo,
intocado,
abstrato,
indizível,
atemporal.

Assim.

Mila Ramos

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domingo, 25 de julho de 2010

"V"

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Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.


Natália Correia
V, in "Poemas" (1955)

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sábado, 24 de julho de 2010

Vinho

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Escorregas em mim quente,
Doce.
Adivinho-te pelo odor puro,
Frutado.
E apeteces-me…
Tua cor de sangue desperta-me o desejo
De te ter assim meu, nosso…
Ardente,
Quente!
Não te bebo,
Saboreio-te na lucidez da noite,
Brindo à lua que se despe devagar,
Pálida, invejosa.
Mas és só meu e escorregas em mim…
Quente,
Ardente…

Vera Silva

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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Grafite

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Não seremos marido e mulher,
nem mesmo amantes.
Que tal apenas namorados intermitentes,
docemente nos amando, intinerantes?
Trocaremos afagos, quando o dia adormecer,
na encruzilhada;
deixarei em você meus cheiros de mulher.
Lançaremos olhares disfarçados,
que certamente passarão despercebidos,
pois namorados são de Deus os protegidos.
Quando nossas mãos roçarem-se furtivas,
vão insinuar desejos abafados,
pelas regras da vida censurados,
mas que sãos flores no canteiro, sempre - vivas.
Ao nos encontrarmos pela tarde rua acima,
lá onde a mangueira domina a rotatória,
assinarei um verso sublimado
a grafitar nossa parede divisória.

Flora Figueiredo

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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Tempestade

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Nudez
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é essa tempestade
que não vem
que se arma oculta
sobre nós
ano após ano

essa tempestade
que dorme comigo
que mora em meu ventre
ansioso
dia após dia

não quer a tempestade
se precipitar de vez
se desatar
no céu
um laço de ferro
sobre a terra
invertida

é essa tempestade
que não vem

Cristina Garcia Lopes

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Amor sem fim

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Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


Pablo Neruda

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terça-feira, 20 de julho de 2010

A boca

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A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?)
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
como se pode morrer?

Eugénio de Andrade

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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Beijo

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(...) o beijo é a troca de respirações, que significa a troca das nossas profundidades: respiro-me em ti, expiro-me em ti e aspiro-te em mim de tal maneira que esteja em ti e tu estejas em mim

François Varillon

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domingo, 18 de julho de 2010

Sabem a ti

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Mordo tuas palavras
lentamente
sabem a ti
sabem a nós
desfazem-se em mim
oceânicas
colam seus corpos
ao meu

Silvia Chueire

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Deito-me no teu leito

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Mas eu deito-me no teu leito
Quando apenas queria dormir em ti
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu

Mia Couto

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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Beijo

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Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no de abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mas beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

Jorge de Sena

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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mar revolto

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Sinto dentro do corpo
Um mar de sentimentos
Tento canalizá-lo
E expressá-lo em palavras

Peço que entenda mais
Do que possa perdoar
Você não imagina
O que sinto
Quando o mar
Que carrego
Entra em ressaca

Truck Tumleh

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terça-feira, 13 de julho de 2010

Convite

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Se abro a porta da minha casa
E o convido a deitar em minha cama
Não é que eu seja louca
É porque não é de hoje
Que nela eu durmo com você todas as noites

Madi

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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Diz o meu nome

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Diz o meu nome
Pronuncia-o
Como se as sílabas te queimassem os lábios
Sopra-o com suavidade
Para que o escuro apeteça
Para que se desatem os teus cabelos
Para que aconteça
Porque eu cresço para ti
Porque a minha mão infatigável
Procura o interior e o avesso
Da aparência
Porque o tempo em que vivo
Morre de ser ontem
E é urgente inventar
Outra maneira de navegar
Outro rumo outro pulsar
Para dar esperança aos portos
Que aguardam pensativos
No úmido centro da noite
Diz o meu nome
Como se eu te fosse estranho
Como se fosse intruso
Para que eu mesmo me desconheça
E me sobressalte
Quando suavemente
Pronunciares o meu nome

Mia Couto

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domingo, 11 de julho de 2010

Arrepio

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O arrepio é quando,
por serem tão leves,
seus dedos conseguem,
em cada um dos meus poros:
soerguer uma flor.

Rita Apoena

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ardor

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Ardo de desejo
pelo cair da tarde
quando o cheiro das laranjeiras
descai no ventre da encosta.
é o tempo da entrega
da convulsão do ventre
do arrepio das veias...
deito-te todo inteiro
na margem da levada
que é o meu corpo aberto
à tua espera.

Maria Aurora Carvalho Homem

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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Quero distância dos teus olhos

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Quero distância dos teus olhos,
Do cheiro da tua pele
E do sorriso dos teus lábios.
Quero viver essa ilusão
De que não te amo.
Quero sim!

Quero em segredo
Pensar nos teus beijos,
Abraços e cheiros nunca vividos
Quero sim!

Quero fingir não querer
Sentir as tuas mãos
Enquanto o Pôr-do-sol
Testemunha nossas carícias
Quero sim!

Quero ter medo de dizer que te amo
Pra não te fazer sofrer.
Quero ter a ilusão de que sentes
O mesmo por mim.
Quero, sim!

Evandro Brandão Barbosa

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terça-feira, 6 de julho de 2010

Adormecida no teu peito

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Guarda-me
adormecida para sempre no teu peito

ou deixa-me voar uma vez mais sobre
esta terra de ninguém onde morro
por qualquer coisa que me fale de ti

há noites assim em que o silêncio
se transforma ao de leve numa lâmina
que minuciosamente rasga o linho
onde ficou esquecido o corpo que habitámos
em provisórias madrugadas felizes

depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta

e eu adormecida para sempre
no teu peito

e eu acorrentada para sempre
no teu peito

e de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas
porque as palavras certas estavam todas
em histórias erradas
que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor

muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão

e eu adormecida para sempre
no teu peito

e eu acorrentada para sempre
no teu peito

Alice Vieira

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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Quero

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Quero outras mãos
A deslizar
Pelo meu corpo
E quero outros dedos
Descobrindo meus segredos
Quero outra boca
Procurando
A minha boca
Outros lábios
Molhando meu pescoço
Quero outras garras
A marcar meu dorso
Outras pernas
Entrelaçadas às minhas
Quero outras mãos
Me apertando o ventre
E outra língua
Incendiando a minha
Quero novos jogos de amor
Sobre o meu leito
Quero um novo homem
A descansar
Sobre o meu peito...


No momento
Leva longe o vento
O meu pensamento...

Amor imenso
No silêncio
Profundo, denso

Na madrugada
Conto de fada
Na minha estrada

A janela aberta
Desperta
Desejos de voar...

Solidão azul
Céu azul
Lua também azul

Felicidade
A cidade
É liberdade

Voar voar voar
Longe longe longe
Você você você

Rosângela Maluf

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domingo, 4 de julho de 2010

Te quiero

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Te quiero a las diez de la mañana, y a las once, y a las doce
del día. Te quiero con toda mi alma y con todo mi cuerpo, a veces, en las tardes de lluvia. Pero a las dos de la tarde, o a las tres, cuando
me pongo a pensar en nosotros dos, y tú piensas en la comida o en
el trabajo diario, o en las diversiones que no tienes, me pongo a
odiarte sordamente, con la mitad del odio que guardo para mí.

Luego vuelvo a quererte, cuando nos acostamos y siento que estás
hecha para mi, que de algún modo me lo dicen tu rodilla y tu vientre,
que mis manos me convencen de ello, y que no hay otro lugar en
donde yo me venga, a donde yo vaya, mejor que tu cuerpo. Tú
vienes toda entera a mi encuentro, y los dos desaparecemos un
instante, nos metemos en la boca de Dios, hasta que yo te digo que
tengo hambre o sueño.

Todos los días te quiero y te odio irremediablemente. Y hay días
también, hay horas, en que no te conozco, en que me eres ajena
como la mujer de otro. Me preocupan los hombres, me preocupo yo,
me distraen mis penas. Es probable que no piense en ti durante
mucho tiempo. Ya ves. ¿Quién podría quererte menos que yo, amor
mío?

Jaime Sabines

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sábado, 3 de julho de 2010

Meu amor, meu amor

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Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardamos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

José Carlos Ary dos Santos

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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Deita-te ao meu lado

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Deita-te agora, a meu lado, sobre o feno,
deixa que o incenso perfume os celeiros
onde adormecemos.

Toca o meu rosto voltado para cima,
como se procurasse no céu as carruagens de
cedro e ouro,
nos caminhos onde me perdi.

Traz-me o cântaro das tuas fontes.
Dá-me de beber a sua água porque os meus
lábios ardem.
Tenho sede.

É verão, como sabes.
As cigarras eternizam a sua música de pianos
rudes,
as rãs destroem a serenidade do lago.

Nunca te levantes; não me voltes as costas.

José Agostinho Baptista

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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Inverno no meu corpo

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O inverno desliza
no corpo que espera.

Quanto frio ainda haverá,
antes que ele chegue
e de novo as rosas desabrochem
e com elas a cor pinte meu rosto?

Desde que se foi o meu amado
não há almíscar,
o perfume desertou a vida,
o vinho não sabe a prazer.
já não me acolhe, a noite,
é escuridão sem voz .

O vento não se oculta no deserto,
nem fala aos meus quadris
nenhuma dança.

Desde que se foi o meu amado
o inverno não se cansa de ser eu.

Silvia Chueire

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