sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Toda beleza


…tinha essa inexprimível beleza que resulta da alegria,
do entusiasmo, do êxito,
e que nada mais é que a harmonia do temperamento com as circunstâncias.
Os desejos, as tristezas, as experiências do prazer e as ilusões sempre novas,
à maneira do que às flôres fazem o adubo,
a chuva, os ventos e o sol, tinham-na desenvolvido gradativamente,
e ela se desabrochava enfim em tôda a punjança de sua natureza.

Gustave Flaubert


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Daquele que amo



Daquele que amo
Quero o nome,
A fome e a memória.
Quero o agora.
O dentro e o fora,
O passado e o futuro.
Quero tudo:
O que falta e o que sobra
O óbvio e o absurdo.

Maria Esther Maciel
in Pacto

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Fogo



Coração é máquina de fogo
luz de magnésio, floresta incendiada.
Combustar-se é o seu próprio desafogo.
Arde por tudo, inflama-se por nada."

António Gedeão



sábado, 25 de dezembro de 2010

Perpe(ta)tuar a palavra…



A linguagem é como uma pele:
esfrego minha linguagem no outro.
É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos,
ou dedos na ponta das palavras.

Roland Barthes


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Segredo




Entre minhas pernas se esconde um pântano,
úmido, quente, fértil,
cheira à fêmea e cio,
e engole os incautos que se aproximam, nele submergem,
e não podem mais ser resgatados…

Entre minhas pernas dormem segredos e sussurros,
gemidos e gritos abafados,
que vez por outra são ouvidos à distância.

Entre minhas pernas habitam ânsias de lábios grossos,
uma língua que se enrosca e uma boca faminta de respostas.

Entre minhas pernas termina
o desfiladeiro de minhas coxas e começa a colina de meu ventre.

Entre minhas pernas eu sinto a vida fluindo.
Entre minhas pernas eu começo e acabo meu dia.

Patricia Antoniete


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Manjares




A toalha de linho - quando vieres
serve-te de tudo que houver sobre ela
até te fartares

A blusa de linho - quando vieres
serve-te de tudo que houver sob ela
até enfartares

Líria Porto


domingo, 19 de dezembro de 2010

Esta saudade és tu



Esta saudade és tu.. . E é toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dois anseios de amor, coagulados.

Esta saudade és tu ... É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram.

Esta saudade são teus seios brancos;
tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade és tu ... É a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
... enquanto eu morro no meu pensamento.

J. G. de Araújo Jorge


sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pecados




Por teus pecadinhos alvos
ou pelo breu dos pecados
poderás ser condenado
o inferno é o limite.
Porém pelos pecados rubros
encarnados de sem lei
de desejo de pecado
que cometes em meus braços
estes te elevam aos céus
que eu sei que eu sinto
que eu vejo

Liria Porto


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Penso em ti



Penso em ti
a memória agarrada à minha pele
teu coração de palavras dançando
nos meus braços
teu amor a subir pelas minhas pernas
nossas idéias a derramarem-se das mãos
cada minuto fascinado por nós

pensar em ti é uma inevitabilidade

Silvia Chueire


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Amor de ostra



Nunca soube como as ostras amam.
Sei que elas têm um jeito suave de estremecer
diante da vida e da morte.
Tens um jeito de acomodar teu corpo ao meu
como na concha.
Eu não sabia como as ostras amam
até que duas pérolas brotaram de teus olhos
no mar da cama.

Affonso Romano de Sant'Anna


sábado, 11 de dezembro de 2010

Sensibilidade




Habilidade tátil essa a da pele.
Capta... estimula-se, e transforma sensações.
Fecho os olhos e sinto.
Mesmo quando não me toca...
Eu a sinto.

Noto que minha sensibilidade não reside em minha pele apenas.
Ela se distribui além de minhas mais sutis recordações.

A. Kors


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Te darei flores



Te darei flores.
Sempre planejei fazer isto.
Tão simples: de manhã acordar displicente
e começar a colher flores sob a cama.
Ir tirando buquês de rosas, margaridas, vasos de íris,
orquídeas que estão desabrochando e, uma a uma,
de flores ir te cumulando.
E amanhecendo dirás:
o amado hoje está mel puro,
seu amor aflorou e está me perfumando.

Affonso Romano de Sant'Anna


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Mais uma vez


Ele agarrou-lhe na mão,
e ela agarrou-lhe na mão,
e ficaram de mãos agarradas,
primeiro a olharem para as mãos.

Depois levantando lentamente os olhos,
que por fim se encontraram,
perdendo-se uns nos outros,
sem já saber quem via ou era visto,
os olhos ao mesmo tempo a verem
e a serem vistos,
nus,
sem qualquer pudor,
como se tudo fosse possível uma vez mais,
uma última vez, sem esquecer
que o que lhes estava a acontecer
é impossível, quanto mais esquecer.

Pedro Paixão


domingo, 5 de dezembro de 2010

Quem és tu



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
pisando o luar branco dos caminhos,
sob o rumor das folhas inspiradas?
a tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
e a tua presença acorda a plenitude
a que as coisas tinham sido destinadas.
A historia da noite é o gesto dos teus braços,
o ardor do vento a tua juventude,
e o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Flor de Açucena


quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como a flor de açucena
que delicada desmaia, desmaia
sob o peso do orvalho.

O meu coração cresceu
e cantou e cantou
como um menino deslumbrado
pelo brilho estrelado do teu olhar.

Thiago de Mello e Eudes Fraga


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