segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Última nuance: arsenal de cores

 


Amálgama
De vorazes volúpias
Onde apenas predadores
Flertam com a possibilidade
Do precipício:
O voo e
A queda.
Não há dor.

O branco arfar do tempo
Habita os espaços
Vazios (ainda tépidos)
Por entre relevos
Recém-abandonados.

A atmosfera ainda pulsa.

As almas amputadas
Estão alheias à morte.

Tudo é cor,
Sentido
E silêncio.
 

Anderson Christofoletti

 

 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Quinta nuance: a fome dos corpos

 



Furor de caninos
Sobre a carne:
Tua seiva
Ainda escorre
Em minha boca.

Serpear lânguido
De músculos:
Tua carne em convulsão 

Ainda luta contra a minha carne.

 

Anderson Christofoletti

 

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Quarta nuance: tormenta

 

 
Não quero a paz que me roubaste,
Quero tua alma em minha alma
Em comunhão de gozo;
Quero o desespero da falta
Incendiado pelo ardor da presença
Sob a visceral
Face do desejo .

Quero-te.

 

Anderson Christofoletti

 

 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Terceira nuance: som e ausência

 

 

 

Toco as superfícies
Abandonadas pelo teu corpo
Por sobre a cama e

Teus escritos me ardem.

O gosto de teu sexo
E o calor úmido de tua boca
Ainda estão em mim
E por mais que negue
A persistência da fome,
O instinto dilacera
Quaisquer intenções
De fuga.

Anderson Christofoletti

 

 

 


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Segunda nuance: luz e sombra

 


 
Da janela a luz esguia
Escorre por sobre as sombras
Deixadas pela noite.
Vestígios de tua carne nua
Habitam o acervo de minhas retinas.

Teu cheiro ainda escreve
Palavras cálidas
Em meu corpo.

Construções ignoradas
Pelos corpos,
As horas não
Servirão de testemunhas;
Nem delas
Poderemos extrair
O que nos faltará
Na esférica
Incompletude
Do desejo. 

Anderson Christofoletti



terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Primeira nuance : Breve relato de labaredas

 


Rosa de fogo
Entre a pétala
E os lábios da ferida
Aberta,
Lasciva,
Cálida,
Minha mão te desvenda;
Meu corpo te penetra;
Minha palavra te atravessa. 

Anderson Christofoletti

 

 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Agora onde te despes

 


Agora
Onde te despes
É verão:
Tudo colhe
e afaga
O que teu corpo tem
de concha
Molhada
 

Eugénio de Andrade

 

 

 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Teu corpo

 

 

Teu corpo:

um porto
que eterniza
meus navios

um parto
que traduz
o meu avesso

a parte
que arremata
meu desejo.


Maria Esther Maciel

 

 

 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Quando te beijo

 


quando te beijo o beijo que tu me beijas
é que a flor envolve a terra que toca a flor

e é só a forma de os meus lábios dizerem que sim
e de os teus lábios dizerem que não
que não houve tempo antes de nós.
 

Vasco Gato

 

 



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Eterno à tua espera

 


Quero que sejas profundamente minha e ritual
Obsessiva e lúcida, febril, tremente de desejo
Disposta a tudo e a mais, a muito mais,
Boca de mundo, seios de mármore, corpo de mulher e sobretudo mulher.
E sobretudo amante.
Se existires assim, nua inteira, absoluta e pessoal
Responde-me
Que eu fico aqui eterno à tua espera.
 

Pedro Barroso

 

 
 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Arrebatada

 

 
Eu não quero a ternura
quero o fogo
a chama da loucura desatada

quero a febre dos sentidos
e o desejo
o tumulto da paixão arrebatada

Eu não quero só o olhar
quero o corpo
abismo de navalha que nos mata

quero o cume da avidez
e do delírio,
sequiosa faminta apaixonada

Eu não quero o deleite
do amor
quero tudo o que é voraz

Eu quero a lava


Maria Teresa Horta

 

 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Enquanto

 


Enquanto
um calor mole nos tira a roupa
e mesmo nus sobre a cama
os corpos continuam a pedir água
em vez doutro corpo,
penso no tempo em que o suor
e a saliva e o odor e o esperma
faziam dessa agonia
a alegria
a que chamávamos amor

Eugénio de Andrade




sábado, 12 de fevereiro de 2022

Os silêncios da fala

 


São tantos
os silêncios da fala
De sede
De saliva
De suor
Silêncios de silex
no corpo do silêncio
Silêncios de vento
de mar
e de torpor
De amor
Depois, há as jarras
com rosas de silêncio
Os gemidos
nas camas
As ancas
O sabor
O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.

Rita Pais


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Depois de ser amada

 


Depois de ser amada no corpo,
a mulher é como a terra despenteada nas margens do rio,
onde os animais já mataram a sua sede e se recolhem.
 
Como o meu sexo que se remete ao sossego na sombra do meu corpo,
a lamber o perfume daquele rio interior em que bebeu.


João Morgado



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A flor da pele

 


Teu corpo está ao meu lado
fácil, doce, calado.
Tua cabeça no meu peito se arrepende
com os olhos fechados
e eu te olho e fumo
e acaricio os teus cabelos, enamorado.

Esta ternura mortal com que me calo
te abraça, embora eu tenha
imóveis os meus braços.
Miro meu corpo, o músculo
em que repousa o teu cansaço,
teu branco seio macio e apertado
e o leve e macio respirar do teu ventre
sem meus lábios.

Te digo à meia voz
coisas que invento a cada instante
e fico deveras triste e só
e te beijo como se fosse o seu retrato.
Tu, sem falar, me olhas
e te abraças a mim até chorar
Sem lágrimas, sem olhos, sem espanto.
E eu volto a fumar, enquanto as coisas
se põem a escutar o que falamos.

Jaimes Sabines


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Dicionário

 


 As palavras mais belas são as que nascem
do teu corpo: cabelos, lábios, ombros, seios,
até o ventre, e o que entre as coxas se esconde.
Escrevo-as devagar, como se lhes tocasse; e
cada uma delas é como um espelho, de onde
se libertam as tuas mãos, os dedos, um joelho,
olhos que beijo num murmúrio de segredos.

E pedes-me significados, símbolos, primeiros
e segundos sem idos. Não te sei dizer senão que
corpo é o teu corpo, centro um secreto umbigo,
pele a mais branca neve no horizonte desta
subida leve. Se me estendes os braços, entro
num abrigo de floresta: se me abres os ramos,
é na mais doce gruta que entramos.

Precipitam-se sinônimos, adjetivos sem
objetivo, pronomes enfáticos e possessivos,
sílabas perdidas na falésia do desejo. Mas
fecho o livro. Estou farto de palavras, é a ti
que eu quero. E faço-as voltar até de onde
nasceram: cabelos, lábios, ombros, seios, até
o ventre, e o que entre as coxas se esconde.

 Nuno Júdice



terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Neste quarto pequeno

 


Neste quarto pequeno para um amor sem fim
É que dispo o teu corpo
Para o vestir de mim.

É que rasgo o olhar no bico dos teus seios
É que dispo meu corpo
De dores e receios.

Neste quarto pequeno para um amor louco
É que dispo teu corpo
Pouquinho a pouco.

É que encho teu ventre de amor em gume
É que dispo meu corpo
Chispando teu lume.

Neste quarto pequeno para um amor profundo
É que nos despimos às cegas
Para não ver o mundo.

É que de mãos trêmulas e rouca voz
Nos despimos dos outros
E nos vestimos de nós.

João Morgado

 

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Madrigal

 


 
teus olhos atentos me abrem a espera
quando me molham e despertam
o desejo sôfrego para que teus dedos dedilhem-me na busca de minha
rosa

Lucia de Moura Chamma

 

 

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Nua

 

 

Dispo-te, na lentidão apressada do espantar dos pássaros com os olhos presos, às asas da tua nudez. 

Paro no cume dos teus lábios e desço pelo teu corpo, pela tua pele. 

Poiso na tua mão a minha, ancorada, poiso na tua mão o meu amor.

Behind Blue Eyes

 




sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Rosa vermelha

 

 

Que eu, tal qual seiva de tua vida,
Invada teu pulsar atônito,
Teu florescer sublime e harmônico
E teu segredo sem guarida.

E teu segredo sem guarida
Percorra por tua viva pétala
Sentindo em meus lábios tua tez
E a timidez que o arrebol sela.

Que eu, incorporando tua centelha,
Escorra em ti feito ígneo orvalho.

Serei eu, então, teu poeta corsário;
Minha serás rosa vermelha.

Anderson Christofoletti

 

 



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Impetuoso

 

Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.

Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.
 

Eugénio de Andrade 



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

O mesmo tango

 


 

Os nossos corpos
têm a mesma batida,
o mesmo ritmo,
o mesmo tango por dentro.

Manuel Alegre




terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Condenado

 

 

Amarrotamos o pano-cru
que reveste o nosso leito
e deixo que o meu peito nu
vista a nudez do teu peito.
E fica a minha pele
colada na tua pele,
em bagas de lume, a transpirar,
até sentir, sem queixume, o teu corpo
apaixonar-se pelo meu corpo,
devagar, bem devagar…
E sinto o meu corpo tremer
ao sentir-te estremecer por dentro
e mil aves abrem asas ao vento
no sereno reflexo de um amanhecer.
E a tua pele…
E a minha pele…
A nossa pele…
Embalo em ti levado pelas marés
descobrindo quem és por dentro
inebriado num arrepio lento
que me percorre de lés a lés.
Queria deter este instante,
deixar cada segundo em suspenso
como o mundo que lá fora nos rodeia,
e ficar exilado em ti, condenado,
despudoradamente nu e apaixonado,
tendo o teu corpo por cadeia.

João Morgado




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