domingo, 31 de outubro de 2010

Adeus



...e foi por isso
que nessas noites morri muitas vezes
enquanto
as secretas palavras de adeus alastravam
pela foz do teu desejo

e a minha pele se despia
vagarosamente da tua

Alice Vieira


sábado, 30 de outubro de 2010

Murmúrio



Murmuras uma canção aos meus ouvidos
e os meus pensamentos estremecem (...)

murmuras a canção
e sei:
é inescapável a viagem.

as águas turbulentas cristalinamente
tentadoras,
a me chamarem:
vem.

Silvia Chueire


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Post Scriptum


Afasto de ti com
raiva surda

o corpo
as mãos
o pensamento...

E digo este meu vício
dos teus olhos
de um verde tão lento
muito lento

Se penso que te deixo
já te quero

Se penso que recuso
já te anseio

Se penso que te odeio
já te espero

e torno a oferecer-te
o que receio

Se penso que me calo
já te grito

Se penso que me escondo
já me ofereço

Se penso que não sinto
é porque minto

Se penso que me olhas
já estremeço

Maria Teresa Horta


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Desejo atendido



Freqüentemente me esqueço
e quero o teu corpo
para amá-lo, abrigar-me nele,
por ele me deixar amar
atravessada de prazer...

o desejo atendido,
a atender-te...

Silvia Chueire


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ainda que mal...



Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano:
amor.

Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tuas mãos



Nas tuas mãos
ardia
barco de espuma
rede

das tuas mãos escorria
língua de fogo
sede

nas tuas mãos
sentia
dobra do vento
febre

nas tuas mãos
tremia
nome da vida
tempo

Paula Tavares


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ardo-me



Ardo-me por um tango de Piazolla
um soneto de Neruda
um poema de Lorca

Encolho-me sob os personagens
de Guimarães
Exibo-me às palavras de Luiz

Ser não é viver o desejo
é ser o próprio desejo
Respirá-lo
Expirá-lo
Senti-lo no baixo ventre
Destilando nas veias
Para bebê-lo ardente
Direto da boca da alma.

Márcia Leite


domingo, 24 de outubro de 2010

Na ribeira


Reclining Nude, Black & white

Na tarde ando sozinha
pelo caminho do rio, para ver meu amor,
e sigo sem nenhum pudor
ao prazer dos meus pés descalços.
Com perfume de açucenas,
deixo o sol beijar minha pele morena
e em fogo vou a cantar
uma canção de fêmea...

E assim, perfumada e quente,
chego pela mesma ladeira,
e para ele na ribeira,
livro meu corpo de censuras.
E sem descansar do passeio,
com o vento frio a beijar meus seios,
fito seu rosto sentindo
nas mornas águas os céus descendo...

Rosa Clement


sábado, 23 de outubro de 2010

Ela - território inexplorado



A pele dela era a sua fronteira.
Por detrás havia um mundo obscuro, cruel,
uma selva selvagem e misteriosa.

Ela, como todos os territórios inexplorados,
atraía e assustava ao mesmo tempo.

Fui eu que a descobri, mas a sua exploração
(nunca fui capaz de falar de conquista) foi custosa.

Só me salvou o meu instinto de conservação.

Guillermo Cabrera Infante


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Tu vens todos os dias à noitinha



Tu vens todos os dias à noitinha
e despes-te com tanta lentidão
com tanta lentidão que se adivinha
a forma do teu próprio coração.

E quando vais é já noite fechada
não sei se vou ficar se vou sair
não posso ter a alma sossegada
sem saber se amanhã tornas a vir

David Mourão-Ferreira


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tango



Aconteceu o tango
assim na paixão
do desejo de dois corpos entrelaçados.
na sensualidade de um passo,
num brilho sedutor do olhar
a melodia que movimenta
é sedução.

O corpo é só um
numa cadência harmoniosa.
os passos são anseio
dobrados ao som melódico.
os braços ladeiam em sensuais carícias
num encanto embriagado
em ardor de minutos

É a dança da vida
na loucura da entrega.
ferve o sangue no corpo
dos murmúrios eloquentes.
prende-se a alma e o coração.
o gemido é de paixão
em aromas sedutores.

Um dançar único na sentida melodia
é êxtase do amor !

Helena Maltez


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Armadilha dos abraços



E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias,
o rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre de novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Limpeza



Banho tomado
pra tirar seu cheiro.

Telefone desligado
pra não ouvir sua voz.

Lençóis trocados
pra não sobrar fios de cabelo.

Flanela nos móveis
pra apagar suas digitais.

Portas trancadas.
Cortinas fechadas.
Luzes apagadas.

E voce...
no meu pensamento.

Eduardo Baszczyn


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sensualidade



Estou sentindo o martírio de uma importuna sensualidade.
De madrugada acordo cheia de frutos.
Quem virá colher os frutos de minha vida?

Clarice Lispector


domingo, 17 de outubro de 2010

O amor e o outro



Não amo
melhor
nem pior
do que ninguém.

Do meu jeito amo
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

Affonso Romano de Sant’Anna


sábado, 16 de outubro de 2010

Alheio



Sofro,
por não ter
o que é teu.
O corpo,
boca,
pernas,
e dorso.
Contemplo o alheio,
sou do outro
e assim
faço-me companhia.

Carla Bianca


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Desejo e prazer



Estar entre teus pêlos e dedos,
entre tua densidade,
neste transpirar sob medida
aos teus gemidos.
Estar entre teus trópicos,
entre o teu desejo e o meu prazer;
beber parte de teus líquens e teus rios
percorrendo-te da foz até a origem,
e pura a cada amor partir mais virgem.

Micollis


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Alguma vez você já se perdeu em um beijo?


amorcpiaa

Alguma vez você já se perdeu em um beijo?
Quero dizer embriaguez psicodélico puro.
Não apenas lascivo metamorfose transcendental, mas quando
você se tornou ciente de que a grandeza deste ser estava
respirando dentro de você.
Lambendo os lados e cantos da boca,
como a vedação de mil envelopes carnuda preenchido
com a essência do seu ser apaixonado e, em seguida,
aberto pela mesma boca e entregue de volta para você,
uma e outra vez - o primeiro beijo do resto de sua vida .
Um beijo que confirma que o universo está alinhado,
que o maior recurso do mundo é o amor.
Com ou sem crença em Deus,
todos os beijos são metáforas decifráveis
por alocações de tempo, circunstância e compreensão.

Saul Williams


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ternura amarrotada



Desvio dos teus ombros o lençol,
Que é feito de ternura amarrotada,
Da frescura que vem depois do sol,
Quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te lentamente,
E é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão Ferreira


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Entre minhas pernas



Entre minhas pernas se esconde um pântano, úmido,
quente, fértil, cheira à fêmea e cio,
e engole os incautos que se aproximam,
nele submergem, e não podem mais ser resgatados...

Entre minhas pernas dormem segredos e sussurros,
gemidos e gritos abafados, que vez por outra
são ouvidos à distância.

Entre minhas pernas habitam ânsias de lábios grossos,
uma língua que se enrosca e uma boca faminta de respostas.

Entre minhas pernas termina o desfiladeiro
de minhas coxas e começa a colina de meu ventre.

Entre minhas pernas eu sinto a vida fluindo.

Entre minhas pernas eu começo e acabo meu dia.

Patricia Antoniete


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um beijo demorado


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Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.

Maria Teresa Horta


domingo, 10 de outubro de 2010

Noite



Depois só dei pela manhã, a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.

Albano Martins


sábado, 9 de outubro de 2010

Doce rendição



Entreguei-te meus sonhos
Meus carinhos
Dei-te todos os meus
Pensamentos
E as minhas vontades
Revelei-te meus segredos
E reparti contigo
O ar que eu respiro
Meu coração agora
É todo teu
Minha vida é tua
Meus olhares são todos
Para ti
São teus, o meu corpo
E a minha alma
Numa sublime e linda
Entrega
Eternamente perpetuando
A minha doce rendição

Renato Baptista


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Queria



... Queria que me quisesses certa, exacta,
como o minuto onde me pudesses encontrar.

... Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro
e tu por dentro de mim.

Queria de ti um minuto. Um minuto.

Filipa Leal


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ternura



Tua ternura é
Laço que emoldura
Minha cintura

Bernadette Moscareli


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Nuvens perfumadas



Sento-me à beira da cama que nos acolheu:
um rio que recebeu o músculo,
o sangue rumoroso e não partiu.
Um lago azul de mais e por demais queimado onde,
semi-acordada, dormes.
Uma feiticeira.

Disseste ontem à noite, acorda-me quando acordares.
Não tive coragem.

Mas o sol começou a trepar pelos lençóis
onde fomos espuma, excitação.
Minha boca não deixou que o sol entrasse sozinho.
Quando acordaste já eu navegava em nuvens perfumadas.
As árvores de ti sorriam, balançavam.

Casimiro de Brito


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dádiva matinal

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Um beijo
e estas palavras
ao teu ouvido
na tua boca
possa este peso imposto
ser-te leve

Bruno Wheinhals


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Receita



Eu sonhei com tua pele
E ela cheirava:
Almíscar
Canela
Pimenta.
Tempero e mulher.
Verti memórias em desejos
Cozinhando minha angústia
Nos sumos do teu corpo:
Saliva
Sêmem
Suor
Gemidos.
Fome e fantasia.

Paulo Mont'Alverne



domingo, 3 de outubro de 2010



Semelhante aos deuses parece-me que há de ser o feliz
mancebo que, sentado à tua frente, ou ao teu lado,
te contemple e, em silêncio, te ouça a argêntea voz
e o riso abafado do amor. Oh, isso - isso só - é bastante
para ferir-me o perturbado coração, fazendo-o tremer
dentro do meu peito!
Pois basta que, por um instante, eu te veja
para que, como por magia, minha voz emudeça;
sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
a incendiar-me as entranhas.
Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas
soa-me aos ouvidos;
o suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor
(...)

Safo


sábado, 2 de outubro de 2010

Delicatesse



sorver todos os teus interstícios
— o que couber!
sorver todos os teus interstícios
— ah!ah!ahhh... abismos!
sorver todos os teus interstícios
— ah! mor saciez!
sorver todos os teus interstícios
— oh! dor ubíqua!
sorver todos os teus interstícios
— quel beau couvert!

Sylvio Bach


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Teu corpo meu espaço



Teu corpo é raiz
rasgando a terra nua
do meu sexo
Teu corpo é vertical
onde os meus dedos tocam as distâncias
Teu corpo é diálogo sem palavras
O grito em ressonância
no meu espaço.

Manuela Amaral



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