quarta-feira, 30 de junho de 2010

Desassossego

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Dizer da paixão mais do que o sangue
mais do que fogo
trazido ao coração

Mais do que o golpe furtivo já ardendo
revolvendo na seda
a ponta de um arpão

Dizer da febre sem fé
do animal feroz
dos líquens abertos e dos lírios

Dizer desassossego
sem razão
da raiva silvando no delírio

Dizer do prazer o meu gemido
no quanto é ambígua esta prisão
a deixar-me livre no que sinto
e logo envenenada à tua mão

Maria Teresa Horta

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terça-feira, 29 de junho de 2010

O que eu sentia

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O que eu sentia novamente amor
era a tua ternura nos joelhos
o espaço convertido entre paredes
aonde os nossos olhos indefesos

repousavam à noite de conceitos
para convencer o mundo necessários
em nós agora já familiares
implícitos comuns sobre os cabelos

bastava-nos o hálito a auréola
tão antiga e solene dos mistérios
o tempo nos passava nós ausentes

de tempo só sabíamos o êxtase
quando a paixão passar consentiremos
o gesto irremissível dos adeuses

Teresa Balté

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Podes dizer

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Podes dizer que me não amas,
sim, podes dizê-lo,
e o mundo acreditar,
porque só eu saberei
que mentes!

Eu estou na tua alma
como a flama
que devora sob a cinza
as brasas dormentes...

Não creias no remorso
- o remorso não existe!
O que tu sentes
e o que em ti subsiste,
são o rubor da minha ternura
e a chama do meu amor
que em ti
nunca foram ausentes!...

Não julgues, não, que me esqueceste,
porque mentes a ti mesmo
se o disseres…
Podes ter os amores que quiseres,
que o teu amor por mim,
como uma dor latente e compungida,
há-de acompanhar sempre
a tua e a minha vida!

Judith Teixeira

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domingo, 27 de junho de 2010

Anúncio obsceno

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Vou pôr anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.

António Franco Alexandre

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sábado, 26 de junho de 2010

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Chá em chávena chinesa
lençóis de linho
jardins ingleses
sonatas em pianos tristes
damas trágicas

Dispenso o cenário da realeza
a nobreza inteira
se resume em uma criatura
- meu chá, lençol, jardim e sonata

O vento do desejo assola
meus pêlos e alma
secretos caminhos
em chama clamam:
o chá, o jardim e a sonata.

Bárbara Lia

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Canto de Nudez

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Dá-me tua nudez,
Tua nudez úmida
Outorgada em pêlos e dobras,
Nas dobras desfeitas
De dez e mil lençóis

Dá-me tua nudez,
Tua nudez traçada,
Declarada em gotas e curvas,
Nas vidas desfeitas
Por uma ou tantas canções.

Dá-me tua nudez,
Tua nudez rasgada,
Marcada em veias e carnes,
Nos pactos esquecidos
De todas e outras juras.

Dá-me tua nudez,
Tua nudez faminta,
Destrancada de almas e corpos,
Nos sonhos destruídos
De meus e teus desejos.

Paulo Mont'Alverne

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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sou...

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Sou
Seu
Cio
Sou
Seu
Ócio
Sou
Seu
Sócio
no
Prazer

Paulo Lins

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sonho

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Você me beijou
como pássaro
a bicar
a flor mais linda
do jardim
buscou
os recônditos perfumados,
embebeu-se um pouco
de mim
e extasiado
jogou a cabeça para trás,
exibindo um sorriso
feliz.

Ana Margarida Setti Rosa

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terça-feira, 22 de junho de 2010

Haikais 2

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teu corpo deitado
acorda desejos
não confessados

..............................................meus dedos-olhos
..............................................desvendam sem pressa
..............................................doces mistérios

palmo a palmo
dedo a dedo
inicio teu percurso

Eugenia Tabosa

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Mutações

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Há dias em que
me faço noite,
Estrela sou a salpicar tua boca.
Há noites em que me faço dia,
Brilho sol a beijar tua pele.

Há dias em que não sei como,
- morro um pouco -
São muitas as saudades de ti.

Há noites, que sei e como,
Vivo você em mim!

Ruth Maria Perrella

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domingo, 20 de junho de 2010

Corpo adentro

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Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele
exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

Marina Colasanti

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sábado, 19 de junho de 2010

Erótica é a alma

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Pernas entrelaçadas
as minhas, as tuas
sem saber de quem são.
as mãos!

língua aventureira
desvenda meus sonhos
molha minha pele
Tesão!

jogado na cama
passeio em teu corpo
como tua carne
em ritual
Oração!

Eros nos move
Baco nos guia
ao prazer sem pressa
até que eu morra em teus braços
renasça em tua boca.
Para que morras em meu corpo
e renasças
dentro de mim.

Adelia Prado

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Carinho com as palavras

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Há os carinhos que se fazem com o corpo
e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes,
fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: "Eu te amo..."
Barthes advertia:
"Passada a primeira confissão, "eu te amo" não quer dizer mais nada.
"É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra,
não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado:
"Erótica é a alma".

Rubem Alves

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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Acalanto

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Vai amado.

Busca por onde quiseres,
com quem quiseres,
como quiseres,
o prazer.

Até mesmo,
aquele prazer que um dia alguém apelidou de amor.

E, se por acaso te cansares e,
do compromisso que um dia
nos uniu te lembrares,
se desejares,
volta.

Serei a que conforta.

Não saberás da dor,
da saudade,
das lágrimas sentidas que tua ausência causou.

Ada Ciocci

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Frutos e Flores

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Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.

As sementes eu tenho
é bem verdade.

E a simetria das curvas
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.

Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.


Marina Colasanti

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terça-feira, 15 de junho de 2010

Sugar

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Me dá meu beijo
me suga feito redemoinho
para o centro da luz
que me espera

Sem pressa
e guloso ao mesmo tempo
sem tempo de esperar
como quem vai morrer amanhã

Deixa encravado na pele
o cheiro da manhã
a nos envolver
a enternecer tanta vida
que suspira
que reflete
em cada ato
em cada tato
em cada canto
do meu quarto

Isabel Machado

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Saudades

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Esta saudade és tu...E é toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dois anseios de amor, coagulados.
Esta saudade és tu...É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram.
Esta saudade são teus seios brancos;
tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.
Esta saudade és tu...É a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva...

J.G. de Araújo Jorge

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domingo, 13 de junho de 2010

Seios

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O branco
todo alvo
realça na pele bronze

No alvo, círculo rosado
ao centro um olho
pedinte, esbugalhado

Todo ele na palma da mão
na tua mão encaixado
faminto se enrijece
sedento pede tua língua
afoito geme ao contato
feito coito alucinado

Os dois são felicidade
nas tuas mãos e cuidados
bichos presos, enjaulados
não querendo liberdade

Isabel Machado

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sábado, 12 de junho de 2010

O amar do mar

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boca do mar
beijo de sal
lábios da praia
pele de areia

língua de rio
decote de dunas
seios de ilhas
abraço do sol

correntes de desejo
cheiro de algas
ondas de prazer
espuma que rebenta

gemidos das gaivotas
gozo das nuvens
céu que se funde
no azul do mar

Carlos Seabra

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sexta-feira, 11 de junho de 2010

A carícia perdida

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Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?

Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...

Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.

Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?

Alfonsina Storni

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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Por decoro

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Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranqüilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

Artur Azevedo

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Haikais

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Gula. Ensandecida. Louca
Ela engoliu-me todo
com sua faminta boca.

...........................................Ninfomaníaca.
...........................................Sua demoníaca mania
...........................................me levou do céu ao inferno.

É devassa essa mulher
que seu sonhos expõem
quando abre a vidraça?

Rogério Viana

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terça-feira, 8 de junho de 2010

Prece

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Preciso do veludo
dos teus cílios
da maciez
e da audácia
do
teu cheiro
da embriaguez
que vem
da tua
boca

Preciso te tocar

Preciso voltar
a ouvir

o som
do teu
corpo

Eliana Mora

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domingo, 6 de junho de 2010

Licor

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O teu corpo é um bombom em minha boca
Um som que se quebra em minha língua
Um licor que escorre sensual

Não há nada igual
Minha língua do teu corpo inquilina
Teu licor que minha boca indisciplina

Nada igual
Tua dor, teu louco riso
Teu pouco juízo

Final.

Ricardo Kelmer

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sábado, 5 de junho de 2010

Teu corpo claro e perfeito

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Teu corpo claro e perfeito,

- Teu corpo de maravilha,

Quero possuí -lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
é como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como a tarde os horizontes...

E puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Manuel Bandeira

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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Não me culpe

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Não me culpe se meu corpo
tem vontade própria,
se meu desejo
desconhece o “dever ser”
ou “deveria ser!

O corpo não tem regras,
o amor não tem regras.
O que eu tiro disso tudo?
Que não há nada mais urgente
que viver!
E, sinceramente,
eu tenho pressa!"...

Eliane Azevedo

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

As minhas mãos

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As minhas mãos afagam a doçura
e estendem-se gentis e tranquilas
pelas horas infindáveis
de muitas coisas passadas
em anos vividos
abraçados num destino
que transporta consigo
pedaços de uma vida

As minhas mãos afagam a doçura
e trazem novos afagos de lua cheia
buscando ansiosas e aflitas
o conforto de uma pele macia
de tanto prazer abraçado
e de tanta delícia sentida

António Sem

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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Doce certeza

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Por essa vida afora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d'ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d'ouro e risos de mulher,
Muito beijo d'amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer...

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!...

Mas nunca encontrarás pela vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d'amor que são meus versos!...

Florbela Espanca
in "A Mensageira das Violetas"

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terça-feira, 1 de junho de 2010

Momento Um

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Desnudo a beleza
para que a fantasia comece a florir

Há corpos
que têm a cor do amanhecer
sentados sobre cadeiras envelhecidas

Há carne
palavras surdas
e dedos bruscos de tempo

Há enlaces
de múltiplos desejos
e no espaço íntimo
que consome os corpos sem roupas de exílio
fica o perfume tímido do sonho

António Sem

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