quarta-feira, 18 de junho de 2025

Nome

 



Diria que amor não posso
dar-te de nome, arredia
é o que chamas de posse
à obsessão que te mostra
ao vale das minhas coxas
e maior é o apetite
com que te morde as entranhas
este fruto que se abre
e ele sim é que te come,
que te como por inteiro
mesmo não sendo repasto
o fruto teu que degluto,
que de semente me serve
à poesia.

Olga Savary 
em Magma




O chão é cama

 



O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E, para repousar do amor, vamos à cama.


Carlos Drummond de Andrade




quinta-feira, 15 de maio de 2025

Trago-te debaixo da minha pele

 



Trago-te debaixo da minha pele.
Apanhaste-me desprevenido.
Atingiste-me o coração, pecado meu.

E agora é tarde para tudo senão para escrever.

O teu coração tão branco a bater perto de mim.
Embora o não ouvisse sei que estava lá.


Pedro Paixão



Deixa-me tatear teu hálito

 



Deixa-me tatear teu hálito
obscuro que estou
de todos os sentidos.

Deixa-me (ao menos) concluir
que essa ilusão de formas
é apenas minha inconclusa
maneira de ocultar-te.

Deixa-me (em sigilo)
beirar a secura do teu corpo
— o abismo de tocar-te.

Hilda Hilst



quinta-feira, 8 de maio de 2025

 



Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.


Luisa daCosta







quarta-feira, 7 de maio de 2025

Beija-me com os beijos da tua boca




Beija-me com os beijos da tua boca.
Tuas carícias melhores do que o vinho
E sê-me luz. Luz total. E água.
Profunda água pelo fogo enamorada,
terra que grita exasperada, plenitude.
E frescura. Fecundidade.
Árvores frondosas, ramagens,
verde iluminado,
primavera, enfim.

Que aroma de ti parte? Olor a fruto?
Tua pele é jasmim?
Flor de laranjeira?
Pétala de alfena e de nardo?
Oh! Tudo! Tudo em ti é perfume
quando ondeias o corpo lindo!
Teus lábios destilam mel,
teus cabelos a essência feliz do rosmaninho
És carne, apenas?
Mas em ti como explicar
a razão de haver no mundo claridade?

Gonçalo Salvado



terça-feira, 4 de março de 2025

Côncavo e Convexo

 




Nossas curvas se acham, nossas formas se encaixam
Na medida perfeita..

Roberto Carlos
em o Côncavo e o Convexo





O teu corpo

 



Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite,
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade





quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O corpo

 




É pêssego
Tangerina
E é limão

Tem sabor a damasco
e a alperce

Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe

De maçã guarda o pecado
e a sedução

Do mel
o açúcar que reveste


Maria Tereza Horta

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Dependência

 



Entraste pelo canto mais descuidado de mim
imiscuíste-te no meu sangue
adentraste a minha pele
e foste ficando..ficando...
ganhando o espaço que era meu

Ocupaste-me por inteiro
tomaste conta de minhas emoções
fizeste-me dependente
dos teus olhos
do passear da tua pele na minha
da tua boca

Agora, ainda que quisesse,
não mais saberia viver sem ti...
...porque esta dependência que tenho contigo
não dá pra contrariar
apenas para consumir...


São Reis 





sábado, 9 de novembro de 2024

Gosto de sentir sua voz

 




Gosto de sentir sua voz
Penetrando em meu universo de silêncio
Nestes dias cinzentos
Em que nem eu me pertenço.

Seu jeito lúcido e sereno
De desvendar meus caminhos
E percorrê-los sem se perder,
Me torna mais e mais
Vulnerável às suas palavras.

Não entendo de que forma nasce
E qual força rege
Esta minha carência de você;
Esta precisão incessante
Que renasce das cinzas
Cada vez mais falta;
Cada vez mais você
Em mim;
Cada vez mais carne
E alma.


©Anderson Christofoletti





terça-feira, 29 de outubro de 2024

Quando te vi

 



Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anémonas estrelas barcarolas

O silêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas

Quando descobri o teu
seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda

Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo do sol"

António Ramos Rosa










segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Esta noite

 



Os teus beijos ardentes,
Teus afagos mais veementes,
Guarda, guarda-os, anjo meu;
Esta noite entre mil flores,
Um sonho todo de amores
Nos dará de amor um céu!

Machado de Assis






domingo, 27 de outubro de 2024

Lençóis desarrumados



 

(A epopeia do amor começa na cama com os lençóis
desarrumados feito um campo de batalha)
é ali que eu começo a nascer para a madrugada & suas
vertigens onde você meu amor se enrosca em
meu coração paranoico de veludo verde & as delícias de continentes
alaranjados dormem em seu rosto de pérolas turvas oh tambores do amor
sem parar rumo às tempestades planetárias & suas
cachoeiras tristes & pesadas como lágrimas
gosto de gostar & a TV da alma amanhece bêbada & tenta
dizer alguma coisa

Roberto Piva



sábado, 19 de outubro de 2024

A demora

 




O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.


Mia Couto
in Idades Cidades Divindades





terça-feira, 15 de outubro de 2024

Diz-me o teu nome





Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.


Maria do Rosário Pedreira




terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Delírio

 




O desejo revolvido
A chama arrebatada
O prazer entreaberto
O delírio da palavra

Dou voz liberta aos sentidos
Tiro vendas, ponho o grito
Escrevo o corpo, mostro o gosto
Dou a ver o infinito

Maria Teresa Horta


Cinzela-me em ti





Cinzela-me em ti
como gentil flecha
que adorna a pele e nela se tatua.

Deixa-me desperta em ti
como seiva, resina, odor de deus
dentro de ti
como marés, vagas livres
alpendres onde repousas teus anseios.

Da aliança das tuas paredes com minhas janelas
faz-me alicerce,
do teu centro,
cativo da tatuagem
que a minha flecha, em núpcias,
desenhou na tua pele.

Laura Silva

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Magnetismo

 



impeles-me...
atrais-me...
absorves-me...

todo o meu ser se refugia em ti
quando os teus lábios acolhem
o beijo
que me aprisiona

João Carlos Esteves




Baladas das onze e meia

 




São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão:
Fincar no flanco uma espora
cavalgar por meia hora
dar rédeas ao coração.

Joaquim Pessoa

- excerto -






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