domingo, 31 de janeiro de 2010

Acordar em teus braços

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Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços.
E a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
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Um dia, quando a chuva secar na memória,
quando o inverno for tão distante,
quando o frio responder devagar como a voz arrastada
de um velho, estarei contigo
e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela.
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Sim, cantarão pássaros, haverá flores,
mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei nos teus braços
e não direi nem uma palavra,
nem o príncipio de uma palavra,
para não estragar a perfeição da felicidade
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José Luís Peixoto

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sábado, 30 de janeiro de 2010

É noite

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É noite no meu ventre
ausente dos teus lábios
de ti completamente ausente

É noite ainda

É noite de não te saber
entre os meus braços
da falta de ti à minha volta
e dentro

É noite aguda

Eugênia Fortes

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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ternura

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Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

Mia Couto

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Rubra asa

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Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!

Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!

Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!

Judith Teixeira

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sentimento único

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Se amar é sentir esta chama ardendo no corpo
Numa explosão de imagens e sonhos nunca vistos
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Se amar é sorrir ou chorar sem motivo ou razão
Por lembrar de palavras ou sons nunca ditos
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Se amar é não poder sentir saudade e apesar de tudo senti-lo
Como algo tão forte
Numa angústia doída no peito
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Se amar é fechar os olhos e ter-te ao meu lado
Sentir teu carinho
Teu corpo
Tua presença em meu leito
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Se amar é não tendo-te aqui
Sentir-me feliz por apenas saber existires
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Se é a certeza de um dia tocar-te
Amar simplesmente sem questionar ou entender este amor
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Então eu te amo
Num sentimento único
Jamais sentido
Jamais sonhado
Jamais vivido

Alice Daniel

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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Feitiço

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Se me fizesses uma canção de amor em noite de lua
E dedilhasses um violão em sons doces e acariciantes
Palavras sensuais cobririam a noite e arderiam na rua
Num desejo escondido e prestes a se revelar.

Se me fizesses uma canção de amor estonteante
E cantasses com voz rouca desafinada de emoção
Minhas flores te daria todas sem ao menos pensar
E a musica iria vibrar em nosso leito de paixão.

Helena Frontini

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Aula de Pintura

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Enquanto enrubesço
me ensina a pintar com o corpo
me ensina a perder os medos
e a poder sujar as pontas dos dedos
as unhas e as palmas das mãos
nas tintas de todas as cores
enquanto enrubesço em vinho tinto
sê meu mestre
amor.

Cyana Leahy-Dios

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domingo, 24 de janeiro de 2010

Louco sentimento

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Esta chama voraz que arde em meu peito.
Me atordoa, me embala, me agita no leito,
Em pseudos e doces espasmos de dor.
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É dor saborosa, que leva à loucura,
Que acalma, aquece, entorpece, tortura,
Insolentes e castos eflúvios de amor.
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Que são estas ondas tão incoerentes,
De sons e de cores, fortes, envolventes,
De tantos sabores paradoxais?
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Serão os sentidos que estão me enganando,
Ou apenas os sonhos que vão me embalando,
Em meus dias maduros, tristes, outonais?
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Confesso, é o grito, o brado, o clamor, a explosão,
Louco sentimento mesclado em paixão,
Que sinto por ti e é tão delirante.
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Que só se acalma quando adormeço
E do mundo, da vida, das dores esqueço,
No pouso encantado de teu peito amante.

Oriza Martins

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sábado, 23 de janeiro de 2010

Fala baixinho o meu nome

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Se eu te encontrar essa noite
fala baixinho meu nome
Inventa, sussurra
me tenta
Enlaça no meu o teu corpo
Provoca, abraça
Me esquenta
Faz do teu porto a minha cama
E depois
Fala baixinho meu nome
Sussurra, provoca
E me ama...

Alice Daniel

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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Exclusivamente tua

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Porque me despes completamente
Sem que eu nem perceba
E quando nua
Por incrível que pareça sou mais pura
Porque vou ao teu encontro
Despojada de critérios
Liberto os mistérios
Sem perder o encanto
Do prazer
Porque
Quando nua
Sou única
E exclusivamente
Tua

Isabel Machado

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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Acordado

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Que seja o teu querer
a exata medida do meu:
somente amanhecer
por saber que o gosto de nós
ainda nos cobre por lençol
e que todas as palavras
com todas as suas curvas
jamais descreveriam
as minhas nas tuas.

Antoniel Campos

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sábado, 16 de janeiro de 2010

Aeroplanos

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Que pena. Éramos uma invenção
Tão boa e amável.
Um aeroplano feito de um homem e de uma mulher.
Com asas e tudo.
Pairávamos ligeiramente por cima da terra.
Até voávamos um pouco.

Yehuda Amichai

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Amor e alma

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O amor também se faz com a alma,
almas encostadas uma à outra,
com os seus aneis erógenos,
a sua aflição,
o seu desassossego.

Casimiro de Brito
in "Da Frágil Sabedoria"

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Vivo

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Tenho um corpo vivo,
de palavras e contornos,
um murmúrio perdido
no tempo.

Um corpo que anseia
o oceano,
a foz.

Tenho um corpo que não se cala
ainda que eu silencie.

Tenho uma canção no corpo,
devia ser para ti.

Silvia Chueire

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Desígnios

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Alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha
mão
esta paixão inesperada
se estava já escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida

Ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham o nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a partir de agora eu trago
marcada
na palma da minha mão

Bruna Lombardi

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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A senda do amor

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...
Enquanto o meu corpo
caminhava lentamente para o abismo.
As tuas mãos cravadas nele :
és minha.
E eu a repetir : sou tua .

Há um segredo de morte entre os amantes.
Só o desvenda, se é que o faz,
quem percorre a senda obscura do outro
sem morrer ou matar.
No entendimento de que o amor pode ser vivido.
Sempre pode.

Eugênia Fortes

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Vem o Senhor

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(...)
Outras vezes fazes-me rodar
e cavalgas em mim, cavalgas ainda,
tentando talvez chegar àquele lugar
no infinito onde a tua montada
jamais poderá conduzir-te,
por mais que rasgues florestas e desbraves caminhos.

Porque eu sou o caminho.
O caminho secreto
que leva às fontes do prazer,
aos lugares míticos,
aos mares enfeitiçados.

Eu sou a floresta.
A floresta de recantos secretos,
de grutas azuis, de pássaros exóticos.

Eu sou o teu destino e a tua viagem.
A tua amante, a tua égua, o teu amor.

Rosa Lobato de Faria
in "Vem o Senhor"

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Antecipação

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Entra no meu corpo
como se fosses dono
de posse que te foi dada.

Entra em mim
todo mãos, lábios, pele,
perdição murmurada.

Mesmo que não seja assim
e tudo seja sonho,
antecipação,
delírio.

Silvia Chueire

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domingo, 10 de janeiro de 2010

Navegar

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Não conhece a arte de navegar
quem nunca navegou no ventre
de uma mulher, remou nela,
naufragou
e sobreviveu numa das suas praias.

Cristina Peri Rossi

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sábado, 9 de janeiro de 2010

Cumplicidades

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Tão efémeras,
as cumplicidades radiosas.
Encontros de pele, de ideias, de atmosferas,
flutuando como nuvens
para o paraíso do esquecimento.
Acreditava que o sentido da minha vida
estava nesses encontros, e confronto-me agora
com a falta que tu me fazes.
Tu roubas-me o sentido, viciei-me nesse roubo,
talvez seja ainda um vício do sentido, o supremo.
Nós nunca fomos cúmplices,
sabíamos demais um do outro...

Inês Pedrosa
in Fazes-me falta

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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Invitación al amor

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Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta;
que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.

Ylia Kazama

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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Soneto

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Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

Chico Buarque

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Cala o canto, oh poeta

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Porque falas de mim, oh poeta
Quando te dizes triste
Quando te dizes só?
Porque és tu eco de mim, oh poeta?
Porque me falas quando te falas
Porque está na tua a minha voz?
Cala o canto, oh poeta
Silencia as palavras
Não as fales assim
Que as não quero ouvir
Que as não quero saber
Que as escondo até de mim.

Encandescente

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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Espero

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Dei-te os dias mais preciosos,
as mãos e o corpo febris,
o pensamento lúcido,
os olhos lavados de ti.

Esperei-te,
só se espera a vida.
as tuas palavras costuradas a mim
falavam-me do teu amor.

Escuto os dias
desde que me deixaste,
rumo a um deserto,
no silêncio do tempo.

O tempo, meu amor,
é um universo a dançar nos corpos
atravessados de angústia.

Espero, ao olhar
a distância de um oceano,
que venhas.
a felicidade é um dia possível,
se estás.

Silvia Chueire

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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Das duas de mim

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Das duas de mim só percebeste
A louca
A voz de íntima nudez
O grito surdo da fêmea.

Das duas de mim só percebeste
A outra
A dos ventos soltos
Cabaças no ventre
E um demónio
Nos cabelos

Das duas de mim só percebeste
A sombra
A embriaguez do vinho
O brilho da palavra
O sonho

Agora que um mapa estranho
Traçou na face os caminhos da santa
O sonho apareceu despido
Ainda voltas
De vez em quando
Com as palavras da louca

Paula Tavares

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domingo, 3 de janeiro de 2010

Tu eras tudo

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O teu rosto transformou-se na noite interminável
que atravessa cada tarde, cada tarde, cada tarde
interminável.

O rio de fumo que levava o teu nome para as
estrelas dentro, de dentro, de dentro
da minha tristeza.

E o teu rosto era tudo o que tinha. E o teu nome era
tudo o que tinha. Tu eras tudo. Tudo. E tudo é agora
mais do que tudo.

José Luís Peixoto

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